Relato de parto da Juliana Ferraz

Luisa e a Doula (Carol)
O positivo
Gestar pela primeira vez é uma mistura de emoções. Acho que toda mulher idealiza de alguma forma este momento. Eu sempre quis ser mãe e quando decidi pelo momento “ideal”, aos 28 anos, mergulhei de cabeça em artigos sobre maternidade, exames médicos e visitas frequentes em lojas de artigos para bebês.

A decepção veio com o passar dos meses, pois mesmo sem utilizar nenhum método contraceptivo não conseguia engravidar. Foi então que, após um ano de tentativas, meu marido e eu passamos pela fase de investigar se havia algum problema de fertilidade.

Espermograma, transvaginal, histerossalpingografia, foram alguns dos principais exames solicitados pelos médicos. Os resultados não apresentaram nada significante: com ele tudo bem e eu, com miomas, também insignificantes até então. A espera passou a ser um pouco mais angustiante uma vez que “nada” nos impedia de sermos pais.

No total, foram quatro anos de espera. Passei por um tratamento médico, a base de remédios que melhoravam a qualidade dos óvulos. Nesta época, já tinha passado dos 30 anos e as chances de ovular com qualidade eram muito pequenas.

Foi em dezembro de 2013, nos últimos dias do ano, que me dei conta da menstruação atrasada. Eu já tinha passado por isso tantas vezes e, por isso, não queria me iludir novamente. Todas as vezes que atrasava, um teste de farmácia ou de sangue resolviam: bastava fazer um dos testes e pronto, a menstruação descia no mesmo dia.

Eu já não estava fazendo mais uso das medicações. Por iniciativa própria, parei de tomar os remédios, pois se tivesse que engravidar que fosse natural, segundo a vontade de Deus.

Ano novo e nada de menstruar. Sentia cólicas, mas nada significantes. Voltamos à rotina de trabalho e no dia 2 de janeiro de 2014, depois de muita insistência do meu marido, resolvi fazer o teste de farmácia.

Estava relutante até o momento de colher a urina e em fração de segundos estávamos diante da realização do nosso maior sonho: o positivo!

Não acreditava. Choramos muito abraçados e uma oração de agradecimento a Deus, em meio a lágrimas, foi a melhor lembrança daquele momento.

No dia seguinte, fomos até a emergência do hospital e fiz o exame de sangue para comprovar.

Que alívio, após duas horas, estávamos novamente diante de outro positivo. Sim, eu estava grávida. A alegria e o alívio tomaram conta do meu coração que há tanto tempo não sentia a paz que me invadiu naquele momento.

Família
Contamos para nossos familiares mais próximos no mesmo dia do teste positivo de farmácia e decidimos não falar mais pra ninguém até completarmos três meses de gestação. Também foi um tempo difícil, pois pra esconder mal estar no trabalho e os enjoos era necessário muito jogo de cintura. Mas passou rápido. Logo demos a notícia pra todos. Foi por meio do Facebook, com um vídeo super fofo que o mais novo papai anunciou que estávamos “grávidos”.

Quantos votos de felicidades recebemos naquele fim de semana. Familiares, amigos, vizinhos, colegas, todos, até pessoas que não costumavam falar com a gente, comemoraram conosco a novidade.

Enquanto isso, o pré-natal acontecia sem problemas. Cada vez que íamos ao médico, era como se estivéssemos sonhando. Ouvir o coração do bebê era para nós o som mais lindo que alguém podia reproduzir aos nossos ouvidos. Quanto amor nos envolvia.

Difícil foi lidar com a notícia do falecimento da minha avó, uma semana após o anúncio público da gravidez. Ela morreu na mesma tarde em que fui ao obstetra. Constatado que estava tudo bem com o bebê, meu marido anunciou aquilo que eu já desconfiava – todos estavam escondendo de mim com medo da minha reação.

As semanas
Chegamos ao quinto mês, mais precisamente, 17 semanas. Há um mês o médico havia liberado a hidroginástica e caminhada diária de 30 minutos, sem esforços.

Apesar de a barriga quase não aparecer, já me sentia muito cansada, principalmente, após os exercícios. Foi também quando chegaram as primeiras contrações. A barriga endurecida me assustava. Sem contar o fato do bebê descer quase até a minha virilha e formar pelotes esquisitos demais para uma gestante magrela como eu fui.

Um dia antes do feriado de sexta-feira “santa”, acordei muito mal e fomos ao hospital. Ficamos lá o dia todo, pois estava com muitas contrações, apesar de o médico plantonista não acreditar e nem mesmo concordar com aquilo que eu estava sentindo.

Tudo bem comigo e com o bebê, fomos liberados e a ansiedade em saber o sexo do bebê só aumentava.

Queria chamá-lo pelo nome. Seria o Benjamin ou a Luisa?

Independentemente de quem estava ali na minha barriga, o amor já superava qualquer coisa. Orávamos por ele e cantávamos todas as noites. Adorava deitar com a barriga pra cima e senti-lo mexer quando o papai cantava ou passava a mão.

A expectativa era grande para a próxima consulta ao obstetra. Queríamos muito saber o sexo, mas todas as tentativas foram frustradas. As perninhas sempre fechadas nos impedia de saber. O obstetra “chutou” ser menina, mas não satisfeitos com o palpite, resolvemos pagar um ultrassom extra para mais uma tentativa.

Chegamos na clínica ansiosos e acompanhados da vovó materna. Não passado muito tempo, estávamos todos lá de olho na telinha do ultrassom e nada. O bebê resistia com as pernas fechadas.

Foi necessário sair da sala pra comer algo e chacolhar um pouco a barriga para ele ou ela virar. E deu certo. Como em câmera lenta, o bebê abriu as perninhas e não houve dúvidas: é uma menina!

Chorei. Foi a mesma sensação do positivo. Parecia que começava ali outra fase. Agora sim eu podia chamá-la pelo nome: minha linda Luisa estava a caminho.

Reta final
As contrações continuavam e, agora, apesar de saber que eram de “treinamento”, o sexto mês se aproximava e não dava pra levar numa boa sem preocupações. Um bebê prematuro apresenta muitos riscos, por isso, todo cuidado era necessário.

Parei de imediato a hidroginástica e as caminhadas. Nunca fui sedentária. Danço desde os 16 anos e pratiquei corrida até pouco tempo antes de saber sobre a gravidez. Pra alguém que tem hábitos saudáveis, foi uma frustração. Sempre achei que, por ter um bom condicionamento físico, teria uma gravidez tranquila. Outra questão que sempre permeou meus pensamentos foi a questão do parto natural. Pessoas que praticam atividades físicas têm mais facilidade para este tipo de parto.

Conversei com meu obstetra e ele não foi contrário a decisão do parto natural. Fiquei surpresa por ser alguém conhecido por partos cesáreos. Eu não queria a cesárea e decidi fazer de tudo para que fosse do jeito que planejei.

Como as contrações não passavam, comecei a tomar medicação por recomendação médica, a fim de amenizar o desconfortos e os riscos também. Quando não me sentia bem no trabalho, ia pra casa descansar. O descanso foi fundamental para no processo de gestação. Dormi muito, muito mesmo. Não tem sono melhor que o da gravidez.

Surpresa
Não sou uma pessoa de planejamentos, mas depois de tanto ouvir que tinha que preparar logo o quarto, as roupinhas e as malas, minha e da Luisa, decidi pegar firme antes que não desse mais tempo. O quarto estava reformado, já com os móveis instalados. O que faltava mesmo era organizar. Eu não tinha disposição. Minha mãe lavou e passou todas as roupinhas dela. Foi ela também que me ajudou a arrumar as malas.

As malas estavam quase prontas, afinal, faltava apenas dois meses para Luisa nascer e eu teria tempo suficiente para preparar tudo o que precisava.

A última consulta me deu ainda mais tranquilidade, pois o obstetra relatou que estava com bastante líquido e o útero com espessura suficiente para aguentar por, pelo menos, mais um mês e meio. Mesmo assim, eu pedi a injeção de corticoide para amadurecer o pulmão do bebê. Fiquei com medo de tomar, mas num ímpeto, eu pedi e o doutor me deu. Saí da consulta numa segunda-feira e já fui imediatamente na farmácia ao lado do consultório. A segunda dose tomaria depois de três dias.

Tive uma semana tranquila. Planejei ir ao centro da cidade para comprar o que faltava no sábado. Fui sozinha, comprei tudo, mas não estava com disposição. Minha barriga pesava muito e as pernas não correspondiam mais de acordo com as minhas expectativas.

Estava de 34 semanas. Completaria a trigésima quinta na semana seguinte. Faltava tão pouco. A ansiedade só aumentava. Muitas coisas me passavam pela cabeça, tanto boas quanto ruins.

Meu sábado foi normal. Estava feliz com a banheira que havia comprado pela manhã. Cada dia que passava meu sonho se tornava mais próximo de ser concretizado. Eu teria minha linda bebê nos braços.

Eu tinha muitas dúvidas ainda e talvez não conseguisse sanar todas elas até a Luisa nascer. Deixei acontecer. Não atropelei as fases. Relaxei. Não me pressionava a correr atrás daquilo que faltava também, pois pressões não me faziam bem e, naquele momento, precisava fazer apenas aquilo que o meu coração mandava.

As noites já não eram as mesmas há muito tempo. Há três meses pelo menos eu não dormia pelo desconforto e a vontade frequente de urinar.

Apesar de tudo, eu dormi muito bem naquele sábado para domingo. Levantei bem cedo e fui levar meu marido trabalhar. Havia avisado minha mãe que não almoçaria com ela, pois gostaria de passar o dia sozinha em casa descansando.

Foi um dia tranquilo, sem novidades. Perto das 15h, senti uma dor de barriga como se fosse evacuar. A dor desceu pelas pernas e durou menos que um minuto. Fui ao banheiro, mas não era nada relacionado ao intestino.

Como a dor passou, nem me preocupei. Dormi a tarde toda e no final do dia, voltei buscar meu marido. Chegamos em casa e nos aprontamos para ir à igreja.

Fomos de carona, pois na época somente eu dirigia em casa. Não estava disposta para dirigir até lá. A Luisa estava muito agitada, o que gerava um desconforto muito grande.

Não fiquei à vontade durante o culto. Senti muito calor e desconforto.

Ao final da reunião, uma irmã querida veio até mim e pediu para orar pela bebê e ungir minha barriga com óleo – prática utilizada por cristãos como símbolo de consagração a Deus.

Fizemos uma oração e passei aquele óleo na minha barriga e disse: “Pronto, filha. Agora você já pode nascer!”.

Não sei porque eu disse aquilo. Quando percebi, já havia falado. Ao retornar pra casa, jantei como de costume e deitei no sofá. Não tinha posição que me confortasse e a Luisa continuava agitada. Previa uma noite em claro naquele domingo.

Pedi ao meu marido pra ver no calendário sobre a mudança da lua. Todas as vezes que a lua mudava, as sensações eram as mesmas. A bebê se agitava muito.

Ele me informou que a lua havia mudado de quinta pra sexta-feira daquela semana. Talvez fosse este fato que estivesse influenciando naquela agitação.

De repente senti que ela parou de mexer. Aproveitei para virar de lado. Ah, que alívio foi aquela virada e a trégua que ela me deu.

Meu marido estava sentado ao meu lado e um pouco tenso por eu não estar em sentindo bem.

Foi quando digitava uma mensagem para a Carol, pelo celular, que senti a bolsa romper.

TP
Mantive a calma, afinal estava diante de um dos melhores acontecimentos da minha vida. Minha tão esperada e amada filha estava prestes a nascer. Tive uma sensação de alívio ao romper a bolsa, o mesmo quando a gente tira aquele sapato apertado, foi assim que me senti.

Procurei as palavras pra contar ao meu marido. E mesmo falando com jeitinho, ele se apavorou e vi como uma cena de filme acontecer diante dos meus olhos. Ele começou a andar rápido de um lado para o outro sem saber o que fazer. Foi engraçado.

Dei todas as orientações a ele sobre o que deveria pegar no quarto da bebê. Enquanto isso, avisei a Carol que, do outro lado do celular, “gritou” com letras garrafais: “Como assim estourou a bolsaaaaaaaaaaaaaaaaa?”.

Liguei para o meu médico e ele me instruiu ir para o hospital e enquanto isso, ele ligaria para o plantonista para dar as orientações.

Na sequência, minha mãe me ligou e sem saber de nada, conversamos normalmente, e no momento oportuno avisei sobre o rompimento da bolsa. Em minutos, já estavam todos em casa: minha mãe, meu pai chorando como uma criança e meu marido em pé na porta da sala, pálido, com as duas malas nas mãos.

Foi muito engraçado. Eu estava radiante de felicidade. Não estava sentindo dores.
Fomos ao hospital e eu, em trabalho de parto, acalmando a todos.

Demos entrada na internação e aí começou uma outra história.

O atendimento do médico plantonista não foi dos melhores. Ele apenas ouviu o coração da Luisa e não me examinou. Fui direcionada ao quarto e começaram os procedimentos. Sentia minha barriga mexer muito, mas as dores ainda não vinham.

Me acomodei no quarto e enquanto isso minha mãe e meu marido “discutiam” sobre tudo. Precisei pedir para se acalmarem mais uma vez e solicitei paciência para a enfermeira, afinal, era a primeira filha e neta; natural estarem eufóricos.

Minha mãe desceu. Meu marido conseguiu ficar no quarto comigo até às 3h porque meu convênio não permitia acompanhante. Não tinha forças naquele momento para reivindicar a Lei 11.108 que permite acompanhante permanente durante o trabalho de parto e durante o parto. Enfim, ele foi pra casa.

As dores começaram. A Luisa mexia muito e por incrível que pareça, eu sentia prazer naquela dor. Estava feliz e por isso, chorava de alegria.

Todo o tempo que estive sozinha com ela no quarto – não tinha ninguém no leito ao lado – fiquei conversando com minha filha e cantando. Foi um tempo muito precioso. Falei pra ela que daria tudo certo e que em breve ela estaria nos meus braços.

As enfermeiras vinham constantemente me examinar. Estava tudo bem: batimentos dela e meus, pressão arterial, contrações. Eu queria levantar. Precisava fazer tudo o que li sobre parto natural e dilatação. Pedi para levantar e tomar um banho.

Foi quando eu descobri que não poderia levantar, apenas em caso extremo para ir ao banheiro. Logo deduzi que meu médico havia dado aquela recomendação. Ele não queria que houvesse dilatação.

As dores aumentaram e entre uma conversa e outra pelo WhatsApp, as contrações vinham com toda força. A Carol me acompanhou durante toda madrugada e me orientou sobre como respirar. Foi uma super companheira, minha doula virtual naquele momento.

Depois de oito horas de trabalho de parto, não aguentei mais e pedi para ligarem ao obstetra. Estava exausta e com muita dor. Foi quando ele disse que estava a caminho e logo já me prepararam para me levarem ao centro cirúrgico.

Apesar da dor, meu coração estava acelerado de emoção.

Como seria?

Iria doer?

Como vai ser o momento que a Luisa nascer?

Ela é prematura. Será que ela está bem?

Numa fração de minutos, todas as dúvidas foram embora. Me colocaram deitada no centro cirúrgico e logo meu médico apareceu.

Ele não me explicou nada. Não me disse que seria cesárea, apesar de desconfiar que seria. Estava um pouco frustrada porque fui informada de que meu marido não poderia acompanhar porque ela era prematura. Regras do hospital.

A tão esperada anestesista chegou. Não aguentava mais de dor.

Como meu marido não pode entrar, pedi para a enfermeira conversar um pouco comigo pra me distrair. Ela, muito atenciosa, ficou ali do meu lado e segurou minha mão. Aquele momento fez toda a diferença para que eu me acalmasse.

Após 15 minutos, olhei para o relógio que estava na cabeceira e era 7h15. Neste exato momento, ouvi o chorinho da Luisa.

Apesar de não ter sentido ela sair da barriga, eu senti no meu coração quando olhei para o relógio que havia dado a luz.

Renasci naquele momento. Um sentimento que não encontro palavras pra reproduzir. Ganhei um fôlego de vida naquele instante. A trouxeram pra mim e ela, bem quietinha, olhou pra mim. Trocamos nosso primeiro olhar e foi indescritível: parecia que a conhecia desde sempre.

Tivemos que esperar por seis horas até que terminasse o prazo dela na incubadora. Passou rápido. Da recuperação fui para o quarto, tomei banho, me alimentei e o esperado momento chegou. A trouxeram, já trocada, para a primeira mamada.

Quanta emoção. A tomei nos braços e tivemos nossa primeira amamentação.

Pai
Passado alguns minutos que ela estava mamando, o Junior entrou para nos ver. Não pude me conter. Tirei a Luisa do peito e deu a ele.

Ele a tomou nos braços com os olhos marejados. Passei a admirá-lo ainda mais naquele momento, agora, como pai da minha filha. Não pudemos conter o choro. Ali se formava uma família.

Testemunhal
Deixei para o final meu depoimento sobre a minha linda doula Caroline. Sim, foi proposital falar dela depois de todo o relato, pois não quis dispersar aquilo que tenho para dizer sobre ela.

A Carol já faz parte da minha vida há muitos anos e desde que manifestei meu desejo de ser mãe, ela se dispõe pra mim de uma maneira mais que especial. É realmente alguém que se doa, é pronta para ouvir e falar, sempre no momento certo.

Foi com ela que aprendi a discernir as sensações da gestação. Sua sensibilidade me cativa. Ela descrevia em palavras todos os meus sentimentos na gravidez: tanto físicos quanto emocionais.

Me sinto segura com a Carol. Seus conselhos foram fundamentais em todo o processo da minha gestação e também no puerpério.

Antes de decidir ser doula, ela já era. Sempre soube disso, portanto, a chamava carinhosamente de “minha doula”.

Tive o privilégio de ter engravidado no período em que ela estava grávida de suas gêmeas. Adorava encostar minha barriga “petitica” no barrigão dela.

Criamos laços maiores que o da amizade. Estamos ligadas no espírito.

E no sentido literal da palavra acolher, ela me aceitou, recebeu e me abrigou nas alegrias, medos, decepções e naquilo que hoje tenho de melhor: ser mãe.

Obrigada, Carol, por ser minha doula. Que outras tenham o privilégio de ter você no momento mais importante de uma vida, que é o de gerar outra vida.


Juliana Ferraz, jornalista e mãe aos 32 anos.


Junior, Luisa e Juliana

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